Maceió é roots



Embora o cenário atual, marcado por rupturas, não seja o mesmo de antes, o reggae segue firme e forte em Maceió, como explica DJ Waliston


Reggae, para mim, nascido e criado no ABC Paulista, mais precisamente em São Bernardo do Campo, era algo restrito pelo o que ouvia nas rádios. Dessas lembranças, “Johnny B. Goode”, do Peter Tosh; “Is This Love” e “Could You Be Loved”, do Bob Marley; e “Pass The Dutchie”, do Musical Youth, embalam o consciente. Por outras vezes, as músicas chegavam através do saudosismo da matriarca, que não dispensava da sua playlist — salva num pendrive — “Reggae Night”, do Jimmy Cliff, e “I Don’t Wanna Dance”, do Eddy Grant. Acabava por aí.


Até que, no fim de 2018, fiz o caminho tido como inverso, e mudei-me para Palmeira dos Índios, cidade do agreste de Alagoas, localizada a mais de 130 km da capital Maceió. Obviamente, com essa mudança, a percepção cultural é totalmente modificada. Da literatura à música, a terra tida como legado político e cultural de Graciliano Ramos, inspirou, também, o novo residente da cidade.


Era Carnaval de 2020, pouco antes do início da pandemia. Um paredão de som, instalado na casa vizinha, tirava o sossego de todos ao redor, entrando noite adentro. Tudo bem, era época festiva. Dentre as tantas músicas que ecoavam, uma em especial chamou a atenção. O instrumental era avassalador. Aquela voz masculina, no entanto, não era nada familiar. Quem era esse, dizendo que “demorou, mas chegou”? Recordando desse trecho, fui à caça e, rapidamente, achei: Edson Gomes, “Malandrinha”.


Daí em diante, passou a ser figurinha carimbada entre os artistas mais ouvidos no meu streaming de música, juntamente com Bob Marley and The Wailers e Gregory Isaacs. Aliás, a mudança para Maceió, devido a faculdade, aguçou o gosto pelo ritmo jamaicano, e, aos poucos, fui compreendendo as “pedras” que fundamentaram a construção do gênero no Brasil, além de entender seu apelo popular entre os maceioenses, fomentado, em grande parte, pelos DJs da cidade.


Uma troca justa e o cenário atual

Poliana: à primeira vista, um nome qualquer. Mas para os amantes do reggae, diz respeito a umas das principais “melôs” já lançadas. Na verdade, o título da música é “Think Twice”, da jamaicana Donna Marie, que decidiu colocar um gingado especial na canção originalmente gravada por Celine Dion. Deu certo e a versão repercutiu mundo afora, tornando-se a porta de entrada de Waliston Lima para o ritmo, que chegou até ele graças a um amigo. “Nós fizemos uma troca, com ele levando meus discos de rap, e eu ficando com os discos dele de reggae. Nisso, acabei me apaixonando pela ‘melô de Poliana’”, destaca.


Natural do Vergel do Lago, parte baixa da capital alagoana, DJ Waliston, como é conhecido, desde 1999 envereda pelo som caribenho — dividindo o hobbie com a área de serviços gerais, na Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos, de segunda a sexta. Antes disso, o hip-hop fazia a cabeça dele. “Eu riscava um break e tinha discos do Facção Central, GOG, Álibi, Kabala, De Menos Crime”, relembrou.


Tudo isso a contragosto do pai, sargento da Polícia Militar, que não nutria simpatia pelas rimas cantadas pelos grupos preferidos do filho. “Ele não gostava principalmente dos Racionais MC’s, naquele trecho ‘Não confio na polícia, raça do caralho’”, recorda, hoje de forma cômica, citando uma passagem da clássica música “Homem na Estrada

outros epítetos auxiliam não somente na disseminação das músicas entre os ouvintes, como também no fortalecimento da identidade regueira na região.


Tal identidade fincou raízes profundas nas periferias, longe das áreas abastadas. Nesses locais marginalizados, o reggae transformou-se na trilha sonora da labuta diária, mesmo com a estigmatização que persegue o gênero e seus simpatizantes. De Trenchtown às grotas e comunidades de Maceió, o ritmo jamaicano, seja roots ou lovers rock, “a dois” ou sozinho, seguirá firme e forte, apesar dos pesares.

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